Ontem listei todos as pessoas que já atendi como coach e como consultora de estilo. Percebi que atendi mais de 70 pessoas em alguns anos. Todas essas pessoas se sentiam vazias de si. TODAS. Olhando para a minha própria vida, para a vida de amigos e para as mensagens que recebo de leitores e seguidores, vejo esse mesmo vazio imperando, seja com doses de angútia por estar se sentindo perdido ou por não acreditar mais em nada do que vemos. Olhei com carinho e percebi que esse vazio não é apenas do sujeito, é um vazio coletivo. Sujeitos fragmentados, andando soltos, perambulando pela vida, em busca de apenas sobreviver ao próximo dia de trabalho para chegar ao próximo pagamento.
Refleti sobre isso e encontrei em Max Weber algumas linhas para pensar com mais atenção. Weber foi um economista, jurista e um dos fundadores da Sociologia. Dedicou-se a estudar o Capitalismo, tendo como obra mais famosa o livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, onde relacionou o protestantismo pós-luterano como ponto de partida da ética econômica capitalista.
Mas, o ponto onde encontrei Weber para essa reflexão foi em suas falas sobre a Burocracia. Estamos muito acostumados a ouvir essa palavra de forma crítica, para falar das grandes dificuldades em se conseguir algo em grandes corporações públicas ou privadas ou aos entraves que inviabilazam o progresso. Mas, não é essa burocracia apenas operacional e de ordenação de tarefas para auxiliar o andamento do trabalho que eu quero falar. Quero falar de uma burocracia que surgiu dessa forma de organizar o trabalho e o Estado, mas que esparramou-se pela sociedade, de forma silenciosa, de tal forma que hoje é a base do estilo de vida moderno. Com esse jeito de viver a vida, nos pautamos por regulamentos, normas, relações interpessoais impessoais e até mesmo na rotina robotizada que a sociedade “naturalmente” nos impõem para que tenhamos sucesso em seus moldes.
Também pensei nisso ao ver a explosão de casos de contagiados pela Covid-19 e o desprezo com que muitas pessoas (e autoridades) trataram os números de mortos, dizendo até que morrer era algo que acontece com todo mundo. Ficou notório que a vida burocrática nos tinha contaminado de tal forma que não correlacionávamos mais com facilidade aquele número aos sujeitos que se foram e aos outros sujeitos para quem aquela pessoa importava.
Número de mortos, likes, deslikes, número de comentários, quanto você tem ou não no banco. Os números são as grandes vedetes da vida burocrática. É por ele que existimos, ou não. Tanto que muitas pessoas descobriram, em meio a essa pandemia, que o Brasil possui mais de 46 milhões de “invisivéis”. Embora eles estejam visíveis em cada esquina, favela, viaduto ou periferia.
Nessa forma de organizar a vida social, os sujeitos (eu, você, seres individuais) somos compelidos a valorizar a hierarquia. Por isso somos ensinados desde pequenos que para conseguir o “sucesso” precisamos competir com os nossos pares, afinal, em uma hierarquia, os lugares mais valorizados são os que estão mais acima, e assim, somos influenciados a buscar o reconhecimento (e a diferenciação) dentro desse sistema da indiferença, seja pelo prestígio ou pelo consumo. E vamos nos subordinando à estrura como modo de sobreviver.
Tudo fica mais veloz, fragmentado, acontecendo ao mesmo tempo. “Os outros” passam a ser apenas uma massa sem rosto, anônima e silenciosa. Meus vizinhos? Não os conheço. Moradores do meu bairro? Não sei quem são. Meus colegas de trabalho? Não falo muito. E vivendo dessa forma, com relações mediadas por telas e pelo o que é “produtivo”, vamos deixando de nos relacionar com as pessoas de forma “não burocrática” e assim, “os outros” perdem suas subjetividades, viram uma massa de desconhecidos. Quantas vezes você já reclamou do trânsito sem reconhecer que ele é formado por indivíduos e que você também o compõem como parte do problema? É disso que estou falando.
Surge então o desrespeito, pois somos desmerecidos por não semos vistos e ouvidos. Como respeitar quem eu não considero sujeito? Lutamos para sermos sujeitos, para sermos vistos de forma individual e assim recuperar o direito que nos é intrínseco. Por essa forma de organização burocrática, distante, com dificuldade de comunicação e acesso, é que as instituções estão cada vez mais enfraquecidas. Ganhamos um tratamento massificado e assim, guardamos o rancor de não termos sido ouvidos, gerando revoltas e uma descrença no sistema. Isso seria o que muitos chamam de a “política da indiferença”.
Somos um conjunto de seres anônimos, sem personalidade, correndo de um lado pro outro, com a ânsia de nos diferenciar pelo nosso status ou pelo o que consumimos. Tudo isso gera um vazio gigantesco em nosso alma que é tão múltipla e criativa. Corremos para o shopping afim de conquistar essa identidade por meio do consumo, essa diferenciação por meio dos códigos sociais construídos envolta de marcas e etiquetas. São elas que começam a dizer quem você é, e não o contrário. O consumismo é uma forma de tapar esse buraco causado pelo vazio da vida burocrática.
Toda essa conversa me fez lembrar que como saída poderíamos investir no que nos faz sermos humanos. Enquanto a vida burocrática nos força a nos tornarmos números, dados, estatísticas e máquinas, correndo contra o relógio, podemos optar por cultivar o que nos torna um Ser mais sensível, pensante e criativo, nos diferenciando nos robôs, que apenas executam. Andar atento, refletir sobre o que é dito nas entrelinhas, olhar com perspicácia para a História e sentir o que o futuro pode nos trazer, são formas de driblar esse vazio e essa estrutura burocrática como modo de vida.
Me lembrei do filme “The little Prince”, de 2015, uma versão francesa e linda da história do “O Pequeno Príncipe”. Recomendo que você veja analisando esses pontos de contato entre o “mundo do sujeito” e o “mundo burocrático” que o filme apresenta com muita delicadeza. Está disponível no Netflix, inclusive. Veja o trailler abaixo.
Precisamos nos permitir sonhar novamente, prestar atenção na Natureza, na mudança das estações… Não acredito apenas em uma mudança no nível individual. Em nível coletivo, acredito que precisamos remodelar nossas empresas (públicas ou privadas) de forma mais sensível ao humano (tanto quem atua quanto para quem é atendido).
Precisamos de espaços contínuos de reflexões, de escuta e, claro, exercictar ver os vários ângulos das questões do dia a dia. Acho que também é importante pensar nas interações e relações entre as pessoas, independente do lugar que ocupem na hierarquia. As empresas precisam abrir espaço para as pessoas (clientes e empregados) serem e repensar essa questão hierárquica. E assim também precisamos fazer em nossas vidas individuais, a começar por abrir espaço para sermos quem somos.
Para aplacar esse vazio coletivo que se manifesta com muita força individualmente, precisamos conversar, reconhecer que estamos coletivamente doentes, que precisamos construir pontes, eliminar muros, atualizar os limites e permitir que os outros SEJAM: dentro de nós, dentro de seus espaços, nas ruas, nas famílias, nas empresas… e para começar, podemos trazer à tona a nossa própria subjetividade, personalidade e essência.
Vamos começar?
Com amor,
Grazy.
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